
A sensação após assistir a um filme como No Intenso Agora é a de carregar toneladas de cimento nas costas. Mantida como uma narrativa de observação do início ao fim, o diretor João Moreira Salles deixa as filmagens caseiras dizerem mais do que o monólogo deprimido do narrador. É fácil se identificar com o momento em que se fala que a ideia de um movimento sem líderes é bonita ou de que uma manifestação que havia iniciado contra uma universidade retrógrada teve seu discurso desvirtuado para outra coisa. Afinal, criando paralelos com contextos históricos, Salles provoca a reflexão sobre a nossa compreensão do passado e o ciclo vicioso que vivemos.
O ponto de partida do autor são as filmagens de sua mãe, durante uma viagem que fez para a China na época do regime autoritário de Mao. O diretor encontrou essas filmagens 40 anos depois delas terem sido feitas pela primeira vez. "Essas imagens amadoras", diz o narrador, "não foram feitas para a história, elas são apenas as sobras de um momento na vida". Mas ao se aproveitar de momentos distintos da mesma década de 60, com um catálogo propositalmente seletivo, Salles nos aponta o caminho: o que nos fez chegar até aqui.
Carregando similaridades com outro documentário primoroso lançado no ano passado, Hypernormalisation, No Intenso Agora só é muito mais sutil que o inglês. Ele indica nossa realidade sem que precise explicar que está falando dela porque conhecemos os discursos franceses vazios da época, como quando De Gaulle fala sobre o funcionamento das instituições e que o futuro não pertence mais ao povo, mas à política. Salles também assinala outra coisa que o documentário de Adam Curtis também levanta: a rebeldia sendo apropriada pelo comércio. Como a experiência radical pode ser comprada ou vendida, conforme a necessidade de manipulação.
De certa forma, No Intenso Agora é uma representação sucinta do sentimento atual de nossa sociedade. Uma expressão deprimida do que nos envolveu antes e nos envolve agora: a observação passiva.
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