O governo saiu da votação da denúncia contra o presidente Michel Temer fazendo contas. A despeito da vitória folgada sobre a oposição, o placar ficou longe do necessário para aprovar a reforma da Previdência, prioridade do Planalto na agenda legislativa.
Temer ambiciona liquidar o assunto na Câmara no máximo até setembro e, no mês seguinte, no Senado. Para tanto, precisa de 308 votos, em dois turnos — algo que o governo já não tinha em maio, antes da crise provocada pela delação da JBS. Ainda exaustos pela jornada das últimas semanas, na quinta-feira (3) pela manhã os articuladores políticos do Planalto mapeavam o comportamento da base governista na apreciação da denúncia para projetar a votação das mudanças previdenciárias.
— Estou fazendo levantamentos. Temos problemas aqui e ali. Vou detectar o que aconteceu, principalmente alguns votos que estavam comprometidos conosco e nos faltaram — diz o vice-líder do governo na Câmara, Beto Mansur (PRB-SP).
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Um dos primeiros objetivos do governo é pacificar a relação com o PSDB, cuja bancada se dividiu na quarta-feira. Dos 43 tucanos presentes, 22 votaram com o governo e 21 com a oposição. Tão logo a sessão havia se encerrado, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alertava para necessidade de uma reaproximação com a legenda. Na quarta-feira, ao participar de um evento em São Paulo, reforçou a posição:
— O que vai ajudar ou não a economia é a reconstrução da base, trazer de volta o PSDB completo para a base, para que se possa sinalizar que temos maioria para aprovar as reformas.
Em tese, convencer os tucanos a aprovar a Previdência não será difícil. O partido tem posição oficial a favor das novas regras e inclusive torce para que as mudanças ocorram ainda na gestão Temer. Como se trata de tema impopular, o PSDB avalia que uma aprovação antes das eleições de 2018 evitaria desgaste para um futuro governo tucano caso um candidato do partido vença a disputa presidencial.
O mais complicado, na visão de quem acompanha a rotina do plenário, é conquistar a adesão do centrão. Bloco hegemônico na Câmara, é formado por partidos sem orientação ideológica definida e que costumam negociar individualmente cada votação nevrálgica.
Fundamental para o arquivamento da denúncia contra Temer, eles cobraram caro a fatura. Exigiram cargos, emendas, anistias tributárias — só com a redução da alíquota do Funrural a União deixará de arrecadar R$ 10 bilhões nos próximos anos — e estão de olho em uma futura reforma ministerial. Apesar da cobiça, muitos deputados do centrão não estão dispostos a votar as mudanças na Previdência, pelo menos não nos termos em que foram propostas pelo governo.
Não há nessa postura algum pudor programático ou convencimento de que o ajuste é dispensável. Todos admitem o déficit crescente e a inviabilidade futura da Previdência. O medo é de que a cobrança dos eleitores diante de exigências tão duras para a concessão de aposentadorias acabe custando o mandato na eleição do próximo ano.
— Há consenso velado de que a reforma é assunto para 2019. O novo governo que fique com o ônus e o bônus. Grande parte dos deputados aceita, no máximo, a fixação de idade mínima — adianta um interlocutor do governo.
O Planalto tem conhecimento das resistências e já estuda suavizar o teor das propostas. Vice-líder do PMDB e um dos principais articuladores do governo na Câmara, Carlos Marun (MS) defende mudanças pontuais em troca da uma vitória em plenário:
— Se a gente colocar para votar segunda-feira, não passa. Precisamos avançar, conversar. E, se for necessário, desidratar o projeto, talvez alguma adaptação tenha de ser feita.