O catarinense Elizandro Lotin, 44 anos, calcula ter percorrido mais de 90% dos Estados brasileiros nos últimos anos para falar e discutir sobre segurança pública. Cabo da Polícia Militar em Joinville, ele preside a Associação Nacional dos Praças (Anaspra), entidade que congrega policiais de todo o Brasil. Militante da categoria, crítico do atual modelo de segurança, o servidor integra o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e é especialista em ciências penais. Com a experiência de 26 anos na corporação, acredita que a PM não dará conta sozinha da redução da criminalidade no Estado. Leia a entrevista com Lotin na abaixo:
A onda de crimes já gerou mais de 100 mortes violentas este ano em Florianópolis. Muitos são jovens. Por quê?
Os jovens de hoje não têm expectativa. A carência na cultura, educação, inserção social é muito grande. Em Joinville, na praça da biblioteca, sábado à tarde, via uma infinidade de guris de 14, 15 anos andando como zumbis. Quando o Estado falha, o traficante chama. É clichê, mas é verdade. A falta de valores, família, está tudo meio abandonado. O jovem acaba sendo cooptado pela marginalidade. Junta-se a isso o espírito de rebeldia do jovem, que tem canalizado a partir da violência. Essa situação de SC não foge à regra nacional.
Como representantes de outros Estados enxergam a situação de Santa Catarina em relação à criminalidade?
Enxergam como referência. Para a gente, os índices são altos, porque não estamos acostumados. Mas se comparar com outros Estados, são pequenos. Em Pernambuco, foram 2 mil homicídios até agora. Só que viemos perdendo espaço. Faltou e falta investimentos em segurança pública. Entender segurança a partir só de polícia é um erro. Por que Jaraguá do Sul é uma das cidades menos violentas do Estado? Porque tem um investimento em educação fortíssimo. É a base de tudo.
Mas há uma contradição, porque a maioria dos policiais defende a repressão, a prisão...
Não. Discordo. O Estado brasileiro e o de SC abandonaram a prevenção e o resultado é o índice alto de violência. Em Portugal, entre outros países onde a violência está estabilizada, os programas de prevenção de base são fortíssimos. O modelo da polícia inglesa, que é de proximidade com a comunidade, preventivo, os índices estão controláveis. Claro que temos o terrorismo, que é outro debate. Em Joinville, há 15 anos, tínhamos 15 policiais de manhã fazendo o ostensivo, o cosme e damião, e 15 à tarde. Era controlável. Hoje não temos ninguém. A queda de efetivo foi gritante. A repressão causa enfrentamento e gera mais violência.
Há uma sensação de que está havendo mais mortes pela polícia. A nossa PM é violenta?
Não. Comparado com o Brasil, nossa polícia não é violenta. A sociedade é violenta. Se pegar os padres franciscanos para fazer policiamento no Rio de Janeiro ou Florianópolis vai ter confronto.
O que acontece, então?
O estresse, a cobrança. O Estado e a sociedade jogam para as costas da PM a responsabilidade específica para diminuir a criminalidade, e a PM não vai dar conta sozinha. O policial que está na rua se sente cobrado, quando na verdade ele é uma ponta de um processo maior.
Qual a sua opinião sobre a unificação das polícias?
É um debate que existe no Congresso e não vai avançar. Temos uma lógica de defender o ciclo completo do Brasil. O nosso modelo é ultrapassado. Esse negócio de meia polícia, que uma complementa a outra, não existe. Deveria ser: a PM pega um cara aqui e vai até o Judiciário, o que não acontece. Os delegados são contra, fazem o seu lobby porque avaliam que vão perder poder. Estamos brigando por poder, mas ninguém, na verdade, está mandando, e sim a marginalidade. Unificar polícia?
Poucos países têm uma só polícia hoje. Imagina uma polícia brasileira única numa greve? Por que tantos fatos e conflitos entre as polícias em SC?
Começou em 2007 quando a PM passou a fazer termo circunstanciado. Do ponto de vista pragmático, na rua avançou. Não se admite mais um policial pegar uma ocorrência corriqueira, de som alto, por exemplo, levar para a delegacia, esperar o delegado. Ficava cinco, seis horas uma viatura parada lá. Houve ganho, otimização, mas os delegados não admitem. A PM tem avançado estando na rua.
Na Capital há a sensação de que a PM está fechando postos.
Não é uma sensação, é uma realidade, fato. É estilo de polícia. A PM objetiva otimizar o efetivo. Mas o Estado tem que vir junto com saúde, educação, lazer, as questões sociais. Tratar a questão só como ocupação de território não vai resolver. Foi o que aconteceu com o Rio de Janeiro.
Em relação ao tráfico de drogas, policiais dizem que estão enxugando gelo e ninguém fica preso. Qual a saída?
Temos que parar com dogmas nas questões das drogas. O mundo todo caminha por rediscutir a política de drogas. Essa que temos hoje é oriunda do governo americano da década de 1970 a partir de um enfrentamento aos grandes traficantes da Colômbia e isso foi disseminado pelo mundo. Nós perdemos. A sociedade mundial está perdendo a guerra contra às drogas. Temos que rediscutir. A descriminalização, que é diferente da liberação, é um caminho. Aqui no Brasil a guerra contra as drogas tem ocasionado a morte de 500 policiais por ano e a de 2,5 mil pessoas pela polícia por ano. Essa guerra já matou mais gente do que qualquer outra guerra no mundo. Temos que tratar a droga como problema de saúde pública.
Que experiências positivas você tem vivido no envolvimento nacional pela segurança?
Em Pernambuco, entre 2007 e 2014, teve um programa chamado pacto pela vida muito bem desenvolvido e reduziu significativamente os índices de homicídios. Focaram em investigação constante, investimento maciço em inteligência, na aproximação das polícias com as comunidades. Em 2014, o projeto foi abandonado e os índices voltaram a subir.
Alguma experiência dos Estados no sistema prisional que está dando certo?
As Apacs. São no Brasil o que mais se aproximam de ressocialização. Minas Gerais tem trabalhado bastante. Aqui existe um trâmite, uma burocracia que não deixou se avançar. Se não recuperarmos, estamos agravando o debate sobre segurança. Não existe sociedade sem violência. É normal. Precisamos trabalhar é o controle da violência. Se não controlarmos, Florianópolis está prestes a se tornar um Rio de Janeiro e Joinville uma São Paulo em razão das características semelhantes.
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